A NOVA ORTOGRAFIA
E OS VELHOS DO RESTELO
J.Jorge Peralta
I – UM DEBATE VITAL E OPORTUNO
1. Há quase vinte meses observo os debates que se travam nas páginas da Imprensa, de Internet e em outros veículos de comunicação, sobre o NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO da Língua Portuguesa.
Considero o debate, sério e esclarecido, sempre saudável. Não é apenas pelo respeito à liberdade de opinião. É que o fato de debater, expondo opiniões, eventualmente antagônicas, contribui para o esclarecimento da questão em pauta, e populariza o assunto que a todos envolve. Participar é compartilhar idéias.
A oposição responsável sempre pode contribuir para que, o legislador aja com mais cuidado, e se evitem atos arbitrários de tirania ou se atenda a interesses escusos. Mas não se esqueça que o tirano pode ser o opositor...
2. A favor ou contra o ACORDO, sempre surgem alguns argumentos emotivos, certamente bem intencionados, mas sem suporte científico. Alguns apenas lutam pela inércia, pelo imobilismo, pelo deixa como está. Rejeitam toda a inovação, por mais benéfica que seja. Temos preguiça de mudar. A mudança nos incomoda...
Os que rejeitam a Novo Acordo, estão mais para velhos do Restelo do que para Novos Descobridores. (Com todo o respeito ao Velho do Restelo)
Às vezes, ofendem-se pessoas ou instituições, em atitudes levianas insustentáveis.
Há os que são contra, até políticos, como forma de chamarem a atenção sobre si, com interesses eleitoreiros. Outros são contra, por falta de informações ou por informações viciadas, ou simplesmente são contra, com razões válidas, porque nada é perfeito.
Alguns são contra o Acordo, sem perceberem o prejuízo que podem causar à nação... Estamos na fase de implantação e não de contestação. Contestação hoje é quase uma traição. É uma injúria à Democracia.
São posições insustentáveis, num mundo dinâmico, globalizado, onde a comunicação escrita precisa de mais versatilidade e onde os países irmãos precisam se entender, sem barreiras inúteis, geralmente prejudiciais, como é o caso de dupla norma ortográfica, se prevalecer, como alguns querem.
3. Não queremos polemizar. Queremos apenas esclarecer, na medida do possível. Cada um pense como bem entender e ouça quem quiser. Alguns não querem saber, querem apenas um espaço para se opor.
Sou de opinião que não fica bem, alguns intelectuais escreverem frases tão vazias, e argumentos sem objeto. São frases quiméricas; meras fantasias. Dão-se tiro em sombras, ou em tigres de papel. A maioria dos argumentos não procede; são enganosos, falaciosos.
Toda a ação humana é questão de opção: optamos pelas deliberações que consideramos mais adequadas, dentro de certas perspectivas. Muitos são contra por inadmissível preconceito ou por desinformação.
O ACORDO ORTOGRÁFICO é uma questão muito séria. É vital para a expansão da Língua Portuguesa e para intercâmbio Internacional.
II- A LONGA E DURA CAMINHADA DO ACORDO
O Acordo Ortográfico em questão, como qualquer Acordo, supõe que as partes envolvidas acomodem suas posições, em favor de um bem maior para todos. Decide-se quando todos estiverem de acordo. Todos sedem algo, em benefício da harmonia e do resultado.
No caso do ACORDO ORTOGRÁFICO, o espaço específico para assumir posições são as ACADEMIAS NACIONAIS DE CIÊNCIAS E LETRAS.
O presente ACORDO teve um longo percurso de debates, por mais de 15 anos, onde todos puderam se manifestar, até chegar ao texto final. Demorou muitos anos. Resolvida a questão, no nível científico e social, passou pelos Congressos Nacionais/AR, e foi promulgado pelo representante legal da
nação, o Presidente da República. Enfim, um processo demorado mas democrático.
Esta é uma questão supra-partidária. É de interesse geral da nação.
Diz-se que o Acordo ainda tem defeitos! Não há novidade nisto. Nenhum acordo é perfeito. Acredito que este é o Acordo melhor possível a que se pôde chegar, nas circunstâncias de nossa conjuntura histórica.
III- CELEBRANDO O SUCESSO DO ACORDO
1. É tempo de comemorar. É justo. Finalmente a ortografia da Língua Portuguesa chegou ao Século XXI.
Vamos celebrar a grande proeza de nossos cientistas da linguagem, pelo resultado a que chegaram, e de nossos políticos por terem reconhecido o valor do texto do Acordo e por terem conseguido reconhecer a importância sócio-política e cultural para os oito (8) povos lusófonos e para os milhões de lusófonos espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Enfim, alcançamos a unidade ortográfica respeitando a diversidade linguística.
Um objetivo há muitos anos aguardado, foi alcançado. Merece uma solene comemoração.
Efetivamente o Novo Acordo Ortográfico tem dimensões muito mais amplas do que o país de cada um: tem dimensões globais! Não podemos então, ficar massageando o nosso umbigo, desdenhando dos demais e das futuras gerações.
Quem não comemora, bom lusófono não é, diríamos provocativamente (!!)
2. Não esqueçamos nunca que a Língua Portuguesa não é patrimônio pessoal. É um patrimônio de todos os lusodescendentes, um rico patrimônio coletivo da grande e universal Pátria Lusófona, do passado, do presente e do futuro.
Nossas ações e reações precisam se enquadradas nestas dimensões, sob penas de nos perdermos no vazio, sem eco e sem ouvintes.
O Novo Acordo é uma questão de alta relevância para os países lusófonos. Então vamos aplaudi-lo. Com ressalvas, se for o caso, mas aplaudindo.
O Acordo Ortográfico é assunto que traz alegria. No entanto, outros preferem o confronto com verbal pancadaria.
3. A Língua Portuguesa poderá ter, daqui por 25 anos, aproximadamente 400 milhões de falantes. Precisamos pensar grande, na grande Pátria Lusófona, e não nos perder em questiúnculas domésticas, que amanhã nada significarão.
Precisamos, sim, preservar o espírito da lusofonia, o modo de ser, no mundo, da lusofonia. Essa deve ser nossa grande preocupação. Essa é a nossa identidade vital. A este assunto sim devemos dedicar nossas forças.
O Patrimônio que herdamos dos nossos antepassados devemos saber transmiti-lo às gerações futuras. Não podemos deixar a nossa cultura se pasteurizar numa massa amorfo universal de uma sociedade consumista. Precisamos saber nos orgulhar de nossa cultura e do nosso povo.
Quem não é organizado é tutelado. Então vamos nos preparar para os novos tempos, sem deixar o flanco da lusofonia descoberto à entrada dos “saqueadores”, sempre à espreita.
Os saqueadores estão sempre em ação, até como “agente duplo”.
Precisamos saber lutar por nossos valores, em vez de nos perder em questões já superadas.
IV- A FORÇA DA RAZÃO VENCE A FORÇA DA DESINFORMAÇÃO
1. A oposição que vem se articulando em Portugal, contra a implantação do Acordo Ortográfico, é, para mim, causa de alguma apreensão, pois se baseia, claramente, em reiteradas atitudes preconceituosas, insustentáveis e indignas das pessoas que as repetem, por falta de informações adequadas.
Não seria o primeiro Acordo a ser engavetado pelo preconceito... produzindo efeitos contrários aos esperados e danosos à nação.
A oposição, em si, é sempre sadia, se for de base científica, socialmente válida e responsável e oportuna, respeitando as regras democráticas e o bem da nação.
As pessoas sempre reagem contra o desconhecido, que altera sua rotina sem conseguir vislumbrar vantagens reais. Então que procurem se esclarecer. Os gestores de opinião devem se informar bem antes de opinar.
O Novo Acordo Ortográfico não é propriamente uma questão popular mas de nível de estadistas.
2. Permitam-me relatar dois exemplos paradigmáticos conhecidos:
2.1) Em São Paulo foi implantada e entrou em vigor, em Agosto/09, a lei ANTI-FUMO. Houve uma reação estrondosa, em todos os meios de comunicação social. Hoje, as estatísticas demonstram que mais de 80% da sociedade aplaude a nova lei. Logo, serão mais de 90% aprovando.
Democraticamente, 10 a 20% sempre serão contra, sejam quais forem os motivos. Há sempre motivos.
Entretanto a LEI ANTI-FUMO é uma medida de saneamento altamente benéfica para a saúde da população. Diz-se: há outras fontes poluidoras mais graves, como a qualidade da gasolina que queima nos motores de nossos automóveis... Todos sabemos disso. Pois que se resolva mais este problema, sem esquecer a questão em pauta.
2.2) No início do Século XX, o nosso benemérito cientista, Oswaldo Cruz, médico sanitarista, dirigiu a campanha de erradicação da febre amarela e da varíola, no Rio de Janeiro, e decretou a vacinação obrigatória de toda a população, provocando rumorosa rebelião do povo e da Escola Militar, contra o que consideraram uma invasão da vida doméstica e uma vacinação forçada. Ficou conhecida como REVOLTA DA VACINA. Oswaldo Cruz foi constrangido, humilhado...
A campanha não retrocedeu. Prosseguiu. Foi vitoriosa e deu o resultado esperado. Todos festejaram, agradecidos. Oswaldo Cruz, de repressor do povo virou herói nacional, premiado no Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim, em 1907.
Oswaldo Cruz teve êxito porque foi competente e persistente e teve o apoio firme de políticos, de porte de Estadistas. Souberam pensar mais na saúde da população do que na próxima eleição.
3. Os exemplos se repetem na história, para demonstrar que os melhores projetos sempre terão a oposição, até daqueles a quem mais vêm beneficiar.
Voltemos à questão da reação contra a implantação do ACORDO ORTOGRÁFICO.
Para implantar leis com forte reação oposta e articulada, é preciso coragem, competência e persistência e o apoio firme de homens que, ao menos nessa questão, assumam porte de estadista, pensando mais no bem das próximas gerações, do que nos bens das próximas eleições. Portugal terá esses homens? Que façam um esforço, ao menos nesta questão candente.
V- POLÊMICA NA “INTERNET”
1. Disse atrás que se nota, em alguns argumentos, reiteradas atitudes de preconceito insustentáveis, e fruto de lastimável desinformação.
Cito apenas um fato, entre inúmeros que já presenciei, na Imprensa e na Internet.
No dia 19 deste mês, foi publicado um texto de minha autoria, em um blogue (Nova Águia) sob o tema: “Joaquim Nabuco, outro gigante da Lusofonia”. Um leitor aproveitou o gancho para malhar a Academia Brasileira e Letras e o ACORDO ORTOGRÁFICO.
A intervenção do leitor já teve resposta fraternal, nos termos adequados, de dois professores, com as explicações suficientes do referido contestador.
2. Resta-me dizer algumas palavras a crítica aos “velhinhos do Restelo” da Academia Brasileira de Letras. Esta agressão genérica à Academia, não é justa.
Esta é uma instituição com a qual podemos discordar, como de tudo que é humano, mas não podemos deixar de reconhecer que lá se abrigam pessoas de alto mérito. As pessoas que fizeram parte da comissão de redação do Acordo são pessoas que dedicaram suas vidas à Língua Portuguesa. Entre essas destacamos os profs. Antonio Houaiss e Evanildo Bechara que têm uma gama respeitável de trabalhos sobre nossa língua comum. Só quem não conhece o trabalho destes homens pode atirar-lhes pedras.
Dizer que querem nos impor a forma brasileira de escrever é uma acusação insensata e gratuita.
A partir da década de 40 a nossa Norma Ortográfica ficou para trás e agora ficamos juntos.
O Acordo foi elaborado e aprovado pelas duas Academias: de Lisboa e do Rio. Foram aprovadas nos dois Parlamentos (1991 e 1995). Foram promulgadas pelos dois presidentes. Que mais queremos? Passaremos a vida chorando como carpideiras e lastimando, chamando de desastre, de desacordo?!
Ah! Esse cacoete insustentável, que mina alguns das novas gerações, precisa ser superado...
Até quando Portugal suportará o mau humor de alguns patrícios?
De que lado do Atlântico estão, afinal os velhinhos do Restelo?
Afinal, o desastre é se os portugueses conseguirem rejeitar a implantação do Acordo, o que acho impossível, estratégica e moralmente.
3. Senhores, os preconceitos contra o português do Brasil são absurdos.
Dou-lhes meu testemunho de quem vive aqui há 53 anos, é da Área de Linguística e Semiótica pela mais produtiva Universidade do mundo Lusófono, a USP. Minha tese de Doutorado foi sobre a múltipla linguagem de Fernando Pessoa. Sou professor aposentado da mesma USP. Por outro lado, mantenho relações permanentes em Portugal, onde vou uma ou duas vezes por ano.
CONCLUSÃO:
1. Meu testemunho é leal; Esse Acordo Ortográfico é o melhor possível Não é perfeito, lógico. Nem podia ser, pois teve de contentar gregos e troianos. É sempre assim.
Digo-lhes que considero uma afronta quase infantil, ao menos é preconceituosa, em relação ao Brasil, as acusações mil vezes repetidas.
Não fica bem para os portugueses essa disputa descabida.
O Brasil vai ser sempre BRASIL, ao menos em potencial. Um País de 195 milhões de habitantes, com muita gente boa.
2. Com estes termos esclareço que não concordo com o artigo referido na crítica citada acima: “O Conceito da Língua Portuguesa no Brasil”, de autor do Rio de Janeiro. Desculpem mas é todo ele alicerçado em preconceitos que não são admissíveis. Muita emoção, sem base científica. É muita fumaça sem fogo nem calor. Não podemos fazer isto. Não fica bem. Falar genericamente de “presunção de pseudos-intelectuais” é descabido. É presunção. Desmerece as pessoas sérias.
Prometo voltar ao assunto ampliando o que acabo de dizer sobre o artigo referido.
Não quero entrar em polêmicas, mas em vez da frase citada: “Deus salve a Língua Portuguesa”, eu diria: Perdoai-lhes porque não sabem o que fazem.
Desculpe, mas este é efetivamente um assunto para especialistas. Não quer dizer que outros não possam se manifestar. Democraticamente devemos ser responsáveis, atendendo à justiça e ao bem-comum.
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